segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Le Journal des Sçavans, Philosophical Transactions e a divulgação científica

Eu já falei no primeiro post do blog que quando as primeiras revistas surgiram, no século 17, o mundo passava por grande mudanças. A Europa vivia a primeira grande expansão colonialista, e o intenso comércio mercantilista promovia a divulgação de novas ideias pelo mundo todo. A principal delas era o Iluminismo, com muitos escritores e filósofos defendendo o avanço da ciência e da liberdade de expressão contra a religião, no rastro do Renascimento surgido século anterior. As descobertas científicas se desenvolviam a todo o vapor em instituições como a Royal Society da Inglaterra e as Académie des Sciences e Académie des Inscriptions et Belles-Letres da França. A comunicação entre os cientistas era comum, através da troca de cartas em que contavam suas novas descobertas. Da necessidade de propagar estas ideias surgiu a primeira revista de divulgação científica: o Journal des Sçavans (A Revista dos Cientistas), cujo primeiro número foi publicado janeiro de 1965.





capa da primeira edição do Journal des Sçavans, publicada em 05 de janeiro de 1665


A publicação foi fundada por Denis de Sallo (1626-1669) sob o pseudônimo Le Sieur de Hedouville (o Senhor de Hedouville). A revista trazia resenhas de livros publicados na Europa; artigos de divulgação de experimentos em física, química e anatomia; dibulgação de novas invenções e acontecimentos 'dignos de curiosidade humana'. A revista também falava sobre assuntos não tão relacionados às ciências exatas e biológicas, como obituários de homens famosos; notícias da Igreja e notícias sobre decisões legais. E assim foi por 13 edições até 30 de março do mesmo ano, quando a publicação foi interrompida. Ela seria reeditada em janeiro do ano seguinte com a grafia modificada de Sçavans para Savants. A revista seguiria sob os cuidados de diversos editores até 1972, quando foi fechada no auge da Revolução Francesa. Mas ela já não era a única.

Até o fim do século 17, mais de 30 revistas científicas surgiram no rastro do Journal des Savants, e a maioria delas teve vida curta. Uma, porém, se sobressaiu: a Philosophical Transactions of The Royal Society (Transações Filosóficas da Sociedade Real) nasceu em 06 de março de 1665 e era publicada pela - é claro - Sociedade Real de Londres. Seu editor era o alemão Henry Oldenburg (1619-1677) , o primeiro-secretário da organização fundada seis anos antes. Ele mesmo arcava com os custos da impressão, mas obtinha algum lucro através de acordos com a sociedade. No entanto, a publicação teria um desempenho medíocre durante toda a vida de Oldberg, se recuperando mais tarde assim como a reedição do Journal des Savants. Ao contrário da antecessora francesa, a revista - popularmente conhecida como Phil Trans., dedicava-se apenas à divulgação de assuntos estritamente ligados às ciências exatas e naturais. Nela foi publicado o primeiro trabalho de Isaac Newton, A Nova Teoria Sobre Luz e das Cores, em 1672. Entre outros cientistas notáveis por colaborar com a revista estão James Clerk Maxwell, Michael Faraday e Charles Darwin, já no século 19.

O novo século também trouxe novidades aos franceses. Depois de um período de turbulências no país, o Journal des Savants voltaria a ser publicado regularmente em 1816, sob os cuidados da Académie des Inscriptions et Belles-Lettres do Institut de France. Assim como a Phil. Trans., a revista é publicada até hoje, mas com um pouco mais de ênfase na divulgação literária que na científica.



Para saber mais:
-Presente e Futuro do Periódico Científico - artigo publicado em 13 de julho de 1968 no Correio Braziliense. Acervo digitalizado da UniRio. (não descobri quem o escreveu, se alguém souber, por favor, me avise!)
-History of Scholarly Societies - Journal des Sçavans - a história do Journal des Sçavans, pelo Schoolarly Societies Project. (em inglês)
-Artigo sobre o Philosophical Transactions no Museu da História da Ciência. (em inglês)

Sites interessantes:
-Journal des Savants - site oficial da revista, mantém uma lista atualizada das últimas edições da revista, agora semestral. (em francês)
-Royal Society de Londres - mantém todas as publicações mantidas pela organização, além de notícias, artigos e imagens de assuntos relacionados à ciência (ótimo para quem se interessa por jornalismo científico)

-Scholarly Societies. Org - projeto que cataloga as publicações científicas do mundo todo. (em inglês)



sábado, 9 de julho de 2011

Erbauliche Monaths-Unterredungen, a primeira revista (Alemanha, 1663-1668)

O mundo passava por mudanças intensas no século 17. Fazia cerca de cem anos que a reforma protestante havia abalado e dividido o cristianismo e o ocidente, viabilizando a difusão e o debate de novas ideias. O principal veículo para tal era a imprensa, criada pelo artesão alemão Johannes Gutenberg dois séculos antes.

Sendo assim, nada mais natural que a primeira revista de que se tem notícia tenha surgido na Alemanha. "Erbauliche Monaths-Unterredungen", ou "Edificantes Discussões Mensais" (imaginem esse título na capa de uma revista hoje...), surgiu em 1663 e foi fundada em Hamburgo pelo teólogo, poeta e autor de hinos religiosos Johann Rist. Segundo a Enciclopédia Britânica, o volume tinha a forma e o formato de livro, e só foi considerado uma revista por causa dos artigos sobre teologia, por ter um público específico e periodicidade regular. Ela durou cinco anos, o que é considerado uma eternidade para as primeiras revistas (e, se pensarmos bem, para muitas atuais também).



Não consegui localizar imagens sobre a revista na Internet, mas encontrei informações interessantes sobre Rist. Segundo o site Hymns and Carols of Christmas, ele nasceu em 1607 e era filho de um pastor. Rist começou a se interessar na composição de hinos religiosos quando ingressou no curso de teologia da Universidade de Reinteln em 1626. Ele também estudou nas Universidades de Leipsic, Utrecht e Leyden, onde cursou matemática, química e medicina. Depois que ele se casou foi trabalhar em uma paróquia de Wedel, no subúrbio de Hamburgo. O local foi muito atingido pela Guerra dos Cem Anos e muitas pessoas morreram por causa das privações do período - principalmente de peste. Ao mesmo tempo em que servia ao ministério, Rist publicou dez coleções de poemas e hinos religiosos - entre 600 e 700 peças sobre praticamente todos os eventos da vida pública e religiosa. Rist ficou lá até sua morte, em agosto de 1667.



domingo, 3 de julho de 2011

Revistas, uma história fascinante

Desde que o homem começou a desenhar na parede das cavernas ele passou a documentar seu cotidiano. Este processo só se acelerou com a invenção da escrita na Mesopotâmia e a imprensa de tipos móveis por Guttenbergh, levando à invenção dos jornais e, por fim, das revistas.

As revistas são o melhor testemunho das mudanças do mundo moderno. Através delas, sabemos exatamente como determinados povos pensavam e viviam. Citando a jornalista Fatima Ali no livro 'A Arte de Editar Revistas', elas "promoveram a troca de ideias, influenciaram o pensamento, os costumes e a cultura do mundo moderno. Atravessaram guerras, períodos de recessão econômica e ditaduras que sufocaram o direito de expressão. Enfrentaram a competição do rádio, do cinema, da televisão e da Internet, e sobreviveram. Essa é uma história conduzida por homens e mulheres fascinantes".

As revistas são verdadeiras testemunhas da história. Elas usaram e ainda usam inúmeros recursos gráficos como ilustrações e fotografias para refletir a sociedade de seu tempo. Como diz Fatima Ali, "Os jornais tiveram papel fundamental na no processo de democratização da maioria dos países, e as revistas, que historicamente se desenvolveram para informar, divertir e distrair, formaram o jeito de pensar, os costumes, os estilos e a cultura do mundo moderno".

Os maiores escritores do século 19 foram publicados em revistas, como Charles Dickens e Edgard Allan Poe. No Brasil, elas foram fundamentais na popularização dos folhetins.

As revistas mudaram junto com a sociedade. Quando elas surgiram há três séculos e meio eram eruditas, com resumos de livros discutidos nas rodas intelectuais da época: cientistas, artistas e intelectuais. Fazendo um paralelo simplório, elas tinham mais ou menos a mesma função que os fóruns da internet de hoje: difundir e trocar novas ideias. A partir da Revolução Industrial, com o desenvolvimento das novas instituições sociais, elas foram o recurso do ingresso da nova sociedade burguesa que se formava. Com a alfabetização em massa, elas passaram a falar sobre tudo e para todos os públicos possíveis. Depois da migração para as cidades e do trabalho na indústria, as revistas cresceram com a alfabetização em massa.

Praticamente todos os interesses do homem já foram documentados pelas revistas. Uma quantidade incontável de revistas surgiram e desapareceram ao longo dos anos, derrotadas pela mudança de costumes, vencidas pela concorrência. Umas surgiram há mais de cem anos e seguem firmes e fortes. Outras simplesmente expiraram em poucas edições e essa lei cruel perdura até hoje.

São quase 300 anos de história fascinante, uma verdadeira viagem por tudo o que o homem já fez e sonhou em fazer. Então preparem para tirar o mofo das páginas velhas e boa viagem!

------

Nota: muito desse blog é baseado no livro "A Arte de Editar Revistas", de Fatima Ali, da Companhia Editora Nacional. Uma leitura recomendadíssima para todos os amantes da imprensa e leitura obrigatória para estudantes de jornalismo. É possível comprar o livro aqui .